Para liberar a mente de um trauma elaborado ao longo do tempo - quer ele tenha sido causado pela crueldade, negligência, falta de respeito, falta de responsabilidade, arrogância, ignorância ou indiferença, quer por obra do destino - e para que a psique volte a um estado normal de calma e paz, é necessário perdoar.
É normal que se utilize a raiva, por algum tempo, para ganhar forças, para se proteger. Porém, como é chama que queima com energia própria, é preciso cuidado para que o ímpeto da fúria não substitua a vida na sua melhor forma. Sua manutenção sai muito cara, pois enebria as idéias, prejudicando a visão e a percepção. A angústia e o tormento reaparecem num processo cíclico, deixando resíduos. Recomenda-se um ritual de higiene periódica para expurgar de vez, ainda que lentamente, essa fúria residual que liberta quem carrega raiva antiga, acompanhada de uma ansiedade constante, ainda que inconsciente.
Mas estar preso à uma raiva ultrapassada não deve ser confundido com queixas, enfurecimentos, acessos de raiva e atirar coisas. Estar preso significa estar cansado o tempo todo, ter uma grossa camada de cinismo, destruir a esperança, frustrar o novo e promissor. Significa ter medo de perder antes de abrir a boca. Significa chegar ao ponto de ebulição por dentro, quer deixe transparecer ou não. Significa amargos silêncios defensivos. Significa sentir-se desamparado. E para sair dessa prisão, não existe outra saída, senão o perdão.
Às vezes a pessoa nem tem consciência que carrega essa raiva dentro de si, por traumas relativos à família, ao pai, à mãe, aos irmãos, avós, tios, educadores, patrões ou relativo ao próprio processo de crescimento regado por abandono ou indiferença de seus criadores. Alguns só descobrem essa raiva contida e, como se livrar dela, num processo de terapia.
Alguns psicólogos classificam quatro estágios para o perdão: (1) Deixar passar: deixar a questão em paz; (2) Controlar-se: renunciar à punição; (3) Esquecer: afastar da memória, recusar-se a repisar; (4) Perdoar: o abandono da dívida. Podemos nos aprofundar nessas fases noutra oportunidade.
Texto publicado na coluna do Jornal A Crítica de 22/01/2010
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