sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Justiça em Foco

A semana jurídica se encerra com um alerta do Ministro Gilmar Mendes aos Estados que concedem incentivos fiscais inconstitucionais para atrair investimentos e que, mesmo após terem a eficácia suspensa de tais normas, as reeditam com prescrições praticamente idênticas para tentar renovar tais benefícios. Essa guerra fiscal, disse o Ministro, pode obrigar o Supremo Tribunal Federal (STF) a editar nova Súmula Vinculante para acabar com esse leilão de incentivos e com a tensão entre os Estados

Mas o que tomou conta da mídia jurídica nacional, pelo grau de repercussão alcançado, foi mesmo as declarações da Ministra Eliana Calmon, atual Corregedora Nacional de Justiça (CGJ), em face da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), questionando o poder disciplinar concorrente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo a Ministra, a competência do CNJ não pode ser suprimida nem diminuída, sob pena do Judiciário albergar “bandidos escondidos atrás da toga”, já que, especialmente nas Justiças estaduais, faltaria eficiência no trabalho correicional, processos disciplinares eram colocados na geladeira e, quando tramitavam normalmente, eram aplicadas sanções leves.

Como o STF já julgou a constitucionalidade do próprio Conselho em 2005 (ADI 3.367), a necessidade de existência do órgão e a competência concorrente do mesmo em matéria disciplinar, discute-se agora, na ADI 4.638 ajuizada pela AMB, a inconstitucionalidade de um suposto poder ou competência “revisional” correicional do CNJ.

Mas, para a maioria, é público e notório que o Poder Judiciário se transformou após a criação do CNJ, conseguindo com que os processos disciplinares contra magistrados tivessem andamento e fossem aplicadas punições mais compatíveis e proporcionais às infrações cometidas, chegando-se a falar numa “Nova Justiça”, que passou a trabalhar de forma sistematizada, com planejamento e método, estabelecendo prioridades temáticas de cidadania e metas de produtividade, tornando-se mais eficiente e célere. Além disso, induvidoso afirmar que o processo disciplinar ficou mais transparente, tendo ocorrido punições efetivas de 49 (quarenta e nove) juízes, destes, 24 (vinte e quatro) com a sanção mais gravosa.

* esse texto foi publicado na coluna semanal do Jornal A Crítica de 30/09/2011.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Magistrado do Futuro

A consolidação de um “Judiciário do futuro”, respeitado pela comunidade, parte da postura do juiz, apto a solucionar as controvérsias, sejam elas individuais, estatais ou de interesse coletivo, a princípio de modo célere e eficiente. A Emenda Constitucional 45/2004, contudo, trouxe consigo um debate importante sobre a função judicial e seus limites, incitando uma reflexão mais incisiva, do que nas últimas décadas, sobre o sistema de formação adequado à magistratura brasileira.

A averiguação do preparo intelectual do magistrado está diretamente ligada à concepção acerca do papel do juiz na sociedade. Só que conhecimentos técnico-jurídicos, por si só, não são suficientes para se ter qualidade na prestação da atividade jurisdicional, que passa longe dos juízes rotulados de “eficiente burocrata” ou “boca de lei” (termo usado na Espanha), que tem como paradigma uma atuação técnico mecânica e subordinada à legalidade estrita, garantindo neutralidade e apoliticidade “aparentes”, necessárias ao hipócrita “bom” funcionamento da Justiça e ao cômodo “bom relacionamento” e conexões com o poder.

Considerando que a presença de uma forte cultura jurídica legalista – e aí a formação universitária bancária tem sua parcela de culpa, já dizia Paulo Freire – entra em crise com a promulgação de uma Constituição dirigente e com grande carga principiológica, passando-se a se exigir do magistrado uma postura menos conservadora e menos submissa e acrítica à legislação, impondo-se uma conduta mais comprometida com a democracia e com a efetividade dos direitos do cidadão, sobretudo dos menos favorecidos.

Não obstante sua necessária idoneidade e integridade ética e intelectual, como aplicadores e intérpretes do sistema jurídico, além de reconhecer e se despir dos seus próprios valores, preconceitos, contingenciamentos morais, pesquisando a fundo a verdade na reconstrução dos fatos sob seu juízo, é preciso que o magistrado incorpore a dignidade da pessoa humana, os valores sociais, o pluralismo jurídico, o ativismo judicial, os novos sujeitos de direito, acompanhando a evolução social.

Noutras palavras, que o “Magistrado do Futuro” seja menos um modelo funcional de juiz e mais “uma pessoa consciente de que os casos a submetidos à sua decisão implicam em interesses de seres humanos”.


* esse texto foi publicado na coluna semanal do Jornal A Crítica, aos 23/09/2011.