sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Efeitos da Ação Penal 470

As mudanças de paradigmas, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no caso que ficou conhecido como “mensalão”, já começam a ser utilizadas em ações propostas pelo Ministério Público e a fundamentar decisões judiciais. Somente nesta semana, o noticiário jurídico divulgou dois casos, um que utilizou a Teoria do Domínio do Fato e outro que usou a definição de organização criminosa consagrada na Ação Penal (AP) 470. No primeiro deles a “Teoria do Domínio do Fato”, que alcançou notoriedade ao ser adotada pelo STF para condenar réus no processo do mensalão, foi utilizada pelo Ministério Público para oferecer denúncia contra duas senhoras, acusadas de matar um surfista na cidade de Santos. A denúncia já foi recebida pelo Juiz para quem foi distribuída a causa, transformando os autos de inquérito em ação penal. A vítima teria sido empurrada “pelas duas senhoras” ou “por uma delas com aquiescência da outra”, caindo de uma altura de 30 andares, sofrendo politraumatismo e morrendo na hora, logo em seguida à discussão com as mesmas. Como os laudos descartaram a hipótese de acidente ou suicídio, restou, por exclusão, a ocorrência de homicídio. Alguns fatos foram considerados para convencer dessa dinâmica: a uma, a discussão com as acusadas minutos antes; a duas, as denunciadas terem sido vistas olhando para baixo; a três, a vítima ter caído na direção da porta do apartamento onde as denunciadas moravam. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a 6ª Turma que cuida de matéria penal, denegou Habeas Corpus, aplicando o entendimento firmado pelo STF quanto ao conceito de organização criminosa. Nesse caso, a defesa do acusado pleiteava o reconhecimento de que, por não haver organização criminosa, não haveria consequentemente crime antecedente ao crime de lavagem de dinheiro, o que não justificaria a ação penal. Os Ministros entenderam não haver necessidade da descrição específica do crime antecedente ao de lavagem quando os recursos financeiros forem obtidos por organização criminosa. Os membros da citada Turma levaram em consideração precedente do próprio STJ segundo o qual a participação no crime antecedente não é indispensável à adequação da conduta de quem lava valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime. Na decisão foi ressaltado que organização criminosa não é tipo penal, mas sujeito ativo. Noutras palavras, o artigo 1º da Lei 9.613/98 não se refere a um “crime de organização criminosa” como antecedente do crime de lavagem de ativos. Na verdade o referido dispositivo se refere a um crime praticado por uma organização criminosa. No curso da análise do caso, foi mencionado esse conceito de organização criminosa adotado pelo STF no julgamento da AP 470. Vale lembrar que, antes disso, um Juiz havia julgado a inconstitucionalidade incidental da reforma da previdência, aprovada com votos de parlamentares corrompidos para esse fim, fato revelado na AP 470, mas essa decisão foi suspensa em grau de recurso. * esse texto foi publicado na coluna semanal do Jornal A Crítica aos 08/02/2013.

Direito a não-existência

O juiz do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal (STJ/PT), Pires da Rosa, admitiu haver, naquele país, um “direito à não-existência”, a partir do momento em que foi aprovada a lei de descriminalização da interrupção voluntária da gravidez. No acórdão sobre o caso de um bebê que nasceu sem braços e com várias outras deformações, que o impedem para sempre de ter uma vida independente e normal, Pires da Rosa admitiu, “em tese”, o “direito à não-existência”. Um direito que considera latente desde que a lei portuguesa consagrou a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, “colocando a vida, nesses precisos casos, nas mãos dos homens, mais especificamente da mulher/mãe”. Segundo Pires da Rosa, aquele direito foi reforçado ainda mais recentemente, desde que a lei portuguesa “abriu as portas ao testamento vital”. Nesse caso específico de responsabilização civil, uma clínica de radiologia e o seu diretor clínico foram condenados ao pagamento de uma indenização de 200 mil euros à mãe do bebê, por “erro médico”, uma vez que as ecografias não detectaram as deformações do feto. Até aí sem controvérsias! A polêmica no ponto em que a mãe também pedia uma indenização para o bebê, por danos não-patrimoniais (danos morais). Alegava que, “no interesse” do filho, deveria ter abortado, “evitando a vida de angústia e sofrimento” que ambos são obrigados a ter. O STJ/PT indeferiu esta indenização, sob o argumento de que, se fosse atribuída, se chegaria à conclusão de que, afinal, poderá existir um “direito à não-vida”, o que “poria em causa princípios constitucionais estruturantes plasmados” na Constituição, “no que tange à protecção da dignidade, inviolabilidade e integridade da vida humana. O Juiz Pires da Rosa, no entanto - destaque-se -, vencido nesta questão, defendia que o bebê tinha direito a ser indenizado por danos não-patrimoniais. Destacou que as ecografias foram realizadas no bojo de um contrato firmado entre uma clínica e uma mulher, “não uma qualquer mulher, mas uma mulher ... grávida”. “A mãe e o seu feto – porque o feto é ainda mãe, enquanto não nascer com vida – foram atingidos no seu direito a poderem optar pelo não-nascimento, por uma mesma e única violação contratual”. Pires da Rosa ressaltou que a lei portuguesa permite o aborto até às 24 semanas de gravidez. Defende aí o Juiz português um direito a “não-vida” ou a “não-nascer” nessas condições que, aí sim, afetaria a dignidade da pessoa humana. Em caminho diametralmente oposto o Superior Tribunal de Justiça no Brasil (STJ/BR) entendeu não haver consciência de dignidade enquanto não existir/nascer (caso Wanessa Camargo x Rafinha Bastos). * esse texto foi publicado na coluna semanal do Jornal A Crítica aos 01/02/2013.

Internação compulsória

Sem sombra de dúvida a questão jurídica mais discutida na semana - além da tensão ocorrida entre Supremo Tribunal Federal (STF) e Congresso Nacional pela omissão em legislar, no período de três anos anteriormente concedido, sobre os novos parâmetros para distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE), tempo esse superior ao da própria Constituinte - foi o início da implementação da internação compulsória para usuários de crack no município de São Paulo. Na última quarta-feira (dia 21/01) a Justiça paulista concedeu a primeira ordem de internação à força de um dependente químico durante o Plantão Judicial do Centro de Referência em Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod). O internado era do sexo masculino, de 28 anos e usuário de crack, que teve pedido de internação apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil. A polêmica ficou em torno do fato de que o próprio viciado teria procurado o programa, mas a decisão saiu como internação involuntária. A partir daí surgiu uma nova discussão acerca do fato de que as pessoas que procuram esses programas voluntariamente geralmente não encontram instituições públicas apropriadas ou vagas e, sendo a internação fundada numa ordem judicial o Poder Público se vê obrigado a criar órgão e estruturas próprias ou providenciar vagas (ampliando a estrutura ou não) caso elas não existam. Aqui no Amazonas essa dificuldade é latente. Então o programa acaba sendo uma forma de pressão para implementação ou criação de políticas públicas nesse sentido. Não se pode olvidar, todavia, que por mais que essas medidas tenham sido um alento para as famílias dos dependentes químicos, que se sentiam impotentes para lidar com a situação, muitas Organizações Não Governamentais (ONG´s) se opuseram à medida. Para essas entidades a internação compulsória é uma violência ao livre arbítrio e a teoria da vontade da pessoa humana de não querer ficar segregada para tratamento médico-psiquiátrico obrigatório. Além disso, teme-se que essa medida tenha cunho higienizador, como já se fez no passado com a retirada de pessoas menos favorecidas de determinados locais (centros de cidade, por exemplo) com a desculpa de ser para combate de doenças, excluindo-as para a periferia, com o intuito, na verdade, de deixar tais ligares mais aprazíveis esteticamente. A história da cidade de Manaus já foi testemunha disso em mais de uma situação. * esse texto foi publicado na coluna semanal do Jornal A Crítica aos 25/01/2013.