sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Direito a não-existência

O juiz do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal (STJ/PT), Pires da Rosa, admitiu haver, naquele país, um “direito à não-existência”, a partir do momento em que foi aprovada a lei de descriminalização da interrupção voluntária da gravidez. No acórdão sobre o caso de um bebê que nasceu sem braços e com várias outras deformações, que o impedem para sempre de ter uma vida independente e normal, Pires da Rosa admitiu, “em tese”, o “direito à não-existência”. Um direito que considera latente desde que a lei portuguesa consagrou a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, “colocando a vida, nesses precisos casos, nas mãos dos homens, mais especificamente da mulher/mãe”. Segundo Pires da Rosa, aquele direito foi reforçado ainda mais recentemente, desde que a lei portuguesa “abriu as portas ao testamento vital”. Nesse caso específico de responsabilização civil, uma clínica de radiologia e o seu diretor clínico foram condenados ao pagamento de uma indenização de 200 mil euros à mãe do bebê, por “erro médico”, uma vez que as ecografias não detectaram as deformações do feto. Até aí sem controvérsias! A polêmica no ponto em que a mãe também pedia uma indenização para o bebê, por danos não-patrimoniais (danos morais). Alegava que, “no interesse” do filho, deveria ter abortado, “evitando a vida de angústia e sofrimento” que ambos são obrigados a ter. O STJ/PT indeferiu esta indenização, sob o argumento de que, se fosse atribuída, se chegaria à conclusão de que, afinal, poderá existir um “direito à não-vida”, o que “poria em causa princípios constitucionais estruturantes plasmados” na Constituição, “no que tange à protecção da dignidade, inviolabilidade e integridade da vida humana. O Juiz Pires da Rosa, no entanto - destaque-se -, vencido nesta questão, defendia que o bebê tinha direito a ser indenizado por danos não-patrimoniais. Destacou que as ecografias foram realizadas no bojo de um contrato firmado entre uma clínica e uma mulher, “não uma qualquer mulher, mas uma mulher ... grávida”. “A mãe e o seu feto – porque o feto é ainda mãe, enquanto não nascer com vida – foram atingidos no seu direito a poderem optar pelo não-nascimento, por uma mesma e única violação contratual”. Pires da Rosa ressaltou que a lei portuguesa permite o aborto até às 24 semanas de gravidez. Defende aí o Juiz português um direito a “não-vida” ou a “não-nascer” nessas condições que, aí sim, afetaria a dignidade da pessoa humana. Em caminho diametralmente oposto o Superior Tribunal de Justiça no Brasil (STJ/BR) entendeu não haver consciência de dignidade enquanto não existir/nascer (caso Wanessa Camargo x Rafinha Bastos). * esse texto foi publicado na coluna semanal do Jornal A Crítica aos 01/02/2013.

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