sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Indignidade por Analogia

A indignidade e a deserdação são institutos previstos, expressamente, no Código Civil (CC), com a mesma finalidade de excluir herdeiros da legitimação sucessória, impedindo-os de receber o acervo hereditário. A indignidade está prevista do art. 1.814 ao 1.818 e a deserdação nos arts. 1.961 ao 1.965, ambos do diploma civil de 2.002. A diferença é que, diversamente da deserdação, a indignidade não depende da vontade do autor da herança e deve ser reconhecida em ação própria (art. 1.185 do CC). É o caso, por exemplo, do herdeiro que participa do homicídio de seu ascendente, de quem herdaria patrimônio. Todavia, tomando por base os princípios da Ética e da Justiça, alguns juristas têm adotado o instituto da indignidade, pelo princípio da analogia (art. 4º da Lei de Introdução do Código Civil), possibilitando a sua aplicação ao Direito Contratual. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) aplicou, por analogia, o instituto da indignidade ao Contrato de Seguro. Assim, o beneficiário do seguro, que assassinou o contratante do seguro em seu favor, após ser declarado indigno, perdeu o direito à percepção do Seguro (TJMG, 1.0518.02.016087-6/001 (1), rel. José Amâncio, Dj 07.04.2006). Noutro prisma, existe forte corrente doutrinária, reforçada por autores como Pontes de Miranda, Orlando Gomes, Carlos Alberto Bittar, dentre outros, que defende ter o instituto do casamento natureza contratual e essa corrente não é nova, já que descende do direito canônico. É sabido que o que causa indignidade é a prática de atos gravíssimos contra o autor da herança ou contra pessoa próxima a ele pelo fato de que a indignidade está fundada em valores morais e éticos relevantes, supondo uma relação de afeto, solidariedade e consideração entre o autor da herança e o sucessor. Há de se reconhecer, entretanto, que não teve o legislador como prever até aonde iria a imaginação – ou a crueldade – do ser humano, prevendo todas as hipóteses possíveis, de modo que não se pode fazer uma leitura seca da lei, sob pena de cometer injustiças. Por essa linha de raciocínio, poder-se-ia aplicar, também por analogia, o instituto da indignidade à meação de bens, quando um dos cônjuges participa do assassinato do outro cônjuge? Existe precedente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que teve como voto divergente vencedor, o da então desembargadora Dra. Maria Berenice Dias, hoje aposentada, em um caso de um genro que assassinou o sogro, no qual a esposa, com quem era casado em regime de comunhão universal de bens, ajuizou ação declaratória de indignidade, para que seu marido não tivesse direito aos bens deixados pelo pai da mesma, contra quem seu cônjuge havia cometido homicídio. O TJRS aplicou o instituto da indignidade a esse caso: “Assim, se há omissão de norma legal, deve sempre que prevalecer o princípio consagrado pelo legislador que, indiscutivelmente, é o de não permitir a quem atenta contra a vida de outrem possa dele receber alguma coisa, seja como sucessor, seja como cônjuge ou companheiro do sucessor, Essa é a intenção do legislador e a função da Justiça é exatamente fazer incidir a orientação ditada pela lei.” (TJRS, Apelação Cível Nº 70005798004, 7ª Câmara Cível, J. 09/04/2003). É o que sustentamos em trabalho escrito, no sentido da possibilidade de aplicação analógica do instituto da indignidade à meação de bens, quando o cônjuge sobrevivente participou do assassinato do cônjuge em nome de quem era registrado o patrimônio. * Esse texto foi publicado na coluna semanal do Jornal A Crítica aos 13/06/2014.

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