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segunda-feira, 21 de março de 2016
Agenda do STF
É possível perceber que no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635.659, sobre a constitucionalidade da proibição do porte para consumo de drogas, há muito de política, o que não é de todo mal, pelo contrário, questão natural para o funcionamento de instituições democráticas. Esse caso tem assumido destaque e importância na agenda do Supremo Tribunal Federal (STF) por estar ligado a um grave problema de política pública: a superlotação carcerária. Por esse prisma, podemos considerar não ter sido por acaso que este caso foi pautado juntamente com o que tratava da possibilidade do Poder Judiciário obrigar o Executivo a fazer reformas e construções em presídios para garantir a dignidade dos presos.
O STF e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem sido, não é de hoje, as instituições mais engajadas com a questão carcerária e que com ela tem se preocupado e por ela tem se responsabilizado. E é justamente a política de drogas atual que tem sido responsável pelo rápido aumento no encarceramento e a consequente degradação da situação dos detentos nas penitenciárias brasileiras. Segundo dados do Dossiê elaborado pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas para o julgamento da descriminalização do porte para consumo próprio, desde quando foi sancionada a nova lei de drogas, em 2006, o número de pessoas presas por tráfico de drogas subiu de 60 mil para 150 mil, passando a representar quase 30% da população carcerária do país. Com relação às mulheres as consequências foram ainda mais perversas, fazendo com que, hoje, 63% das mulheres presas respondam por tráfico de drogas. Importante observar que, enquanto a taxa de encarceramento geral cresceu, no período de 2006 a 2012, cerca de 40%, o número de presos por tráfico de drogas subiu mais de 130%.
Mas por que falar de encarceramento de acusados por tráfico se o julgamento trata de porte para consumo pessoal? Porque ela nos remete a outro importante elemento político no julgamento que o STF vem enfrentando: a definição de critérios objetivos para diferenciar usuários e traficantes. Uma das razões para o aumento de presos por tráfico após a sanção da nova lei de drogas em 2006 foi justamente a falta de critérios objetivos para essa distinção. É cediço que essa situação tem levado muitos usuários de drogas a responderem criminalmente por tráfico. Se o Brasil contasse com critérios objetivos para identificação de usuários de maconha, como os que são utilizados atualmente na Espanha, a título de exemplo, 70% dos presos por tráfico em São Paulo seriam considerados usuários. Assim, caso o STF considere ser inconstitucional a proibição do porte para consumo pessoal, para que essa decisão tenha eficácia será necessária uma definição objetiva do significado de usuário.
O normal seria que a definição desses critérios objetivos fosse realizada pelo Poder Legislativo, ainda que em diálogo com os Poderes Executivo e Judiciário. Todavia, diante da inação dos outros poderes, o STF terá que enfrentar essa questão. Em auxílio técnico, um grupo de especialistas se reuniu para discutir padrões de uso brasileiros de maconha, cocaína e crack de maneira a sanar uma lacuna de informação oficial que existe no debate sobre critérios objetivos. Após a análise redigiram uma Nota Técnica, onde apresentam três cenários possíveis de quantidades que levariam a crer tratar-se de porte para consumo pessoal. Esclareça-se que a indicação de quantidade deve ser entendida como um parâmetro de presunção relativa, que não funciona como indicador da classificação final do caso, mas serve como referência ao juiz que analisa o caso concreto.
*** Esse texto foi publicado na coluna semanal do Jornal A Crítica, aos 21/08/2015.
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