segunda-feira, 21 de março de 2016

Terras Indígenas

Em função dos balizamentos estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009, por ocasião do julgamento do caso Raposa Serra do Sol, o conceito de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” só abrange as terras ocupadas por índios quando da promulgação da Constituição de 1988. Portanto, a partir de então, consagrou-se o entendimento de que áreas de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas em passado remoto, não são protegidos pelo dispositivo constitucional. Essa questão voltou à tona recentemente. Para melhor compreensão do tema, em novembro de 2012, 108 produtores rurais residentes na região afetada ajuizaram ação ordinária contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União, pleiteando a declaração de nulidade do ato normativo editado pelo Ministério da Justiça. De acordo com os autores, em torno de 300 famílias detentoras do domínio e da posse de imóveis rurais estavam na iminência de ser removidas para dar lugar ao grupo indígena Chiripá e Mbya. Conforme alegaram, suas propriedades eram exploradas em regime de agricultura familiar, constituindo-se na única fonte de sustento. A Funai contestou, destacando que o procedimento de identificação e delimitação da Terra Indígena de Mato Preto seguiu todas as etapas estipuladas no Decreto 1.775/96, comprovando a tradicionalidade da área. Discorreu, ainda, sobre as características da ocupação e posse da terra pelos indígenas baseada na Teoria do Indigenato, argumentando se tratar de um direito originário que não decorreria de nenhum outro e de nenhuma situação fática que não a própria história dos índios no Brasil. Atuando como interessado, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu que as definições de ocupação tradicional ou do que seria necessário ou não para a sobrevivência física e cultural da comunidade indígena deveriam ser realizadas por aqueles que a integram. Ressaltou, ainda, que a relação do silvícola com a terra não possui natureza puramente econômica, mas existencial, adotando um caráter de direito identitário, integrante do conceito de dignidade humana. Na sentença, assinada na última quarta-feira (9/9) pelo juiz-substituto Joel Luís Borsuk, foi esclarecido que a atual ocupação dos índios da etnia guarani, na região de Mato Preto, iniciou no mês de setembro de 2003, a partir de um ‘‘acampamento de retomada’’, localizado numa área pública às margens da rodovia RS-135 e do leito da ferrovia Santa Maria-Marcelino Ramos. ‘‘Controvertem as partes a respeito apenas quanto ao conceito que deve prevalecer acerca do que seja ocupação tradicional indígena. Ou seja, as suas implicações com a ocupação passada da área e/ou a existência de esbulho renitente por parte de não índios – e neste caso o seu conceito, existência no caso concreto e até quando teria perdurado”, pontuou na sentença. Segundo o juiz, pela memória oral dos indígenas coletada no processo administrativo e pela documentação histórica juntada aos autos, é possível determinar que houve a criação formal, por parte do estado do Rio Grande do Sul, de uma área destinada aos guaranis com 223.635 hectares na década de 1920. Esclareceu que a ocupação teria perdurado desde os anos de 1920 até meados da década de 1930, quando os guaranis deixaram a região. Na sua visão, ainda que se admita a possibilidade de esbulho renitente por parte de não-índios até a desocupação completa da área pelos indígenas, fica claro que, na data da promulgação da Constituição, não havia qualquer conflito possessório, esbulho renitente de não-índios ou obstinação dos indígenas na busca da retomada das terras. ‘‘Portanto, no caso concreto, não se verifica ocupação tradicional dos índios guaranis na região de Mato Preto ao tempo da promulgação da Constituição Federal de 1988 (05/10/1988), sempre devendo ser salientado que o STF não compreende a palavra ‘tradicionalmente’ como posse imemorial”. Vê-se mais um caso de injustiça, portanto esse entendimento precisa ser revisto com urgência, considerando que muito indígenas foram expulsos de suas terras, inclusive para a construção de grandes obras, como foi o caso da hidrelétrica de Itaipu e, portanto, não poderiam estar (porque esbulhados) ocupando as suas terras por ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1988. *** Esse texto foi publicado na coluna semanal do Jornal A Crítica, aos 11/09/2015.

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