segunda-feira, 21 de março de 2016

Planejamento Familiar

Em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que tramita perante o Supremo Tribunal Federal (STF), o Procurador-Geral da República (PGR), Rodrigo Janot, emitiu parecer classificando como uma grave violência contra a mulher o dispositivo da Lei nº 9.263, de 1996, que trata do planejamento familiar, em face da exigencia expressa do consentimento prévio do cônjuge para a realização de cirurgia de esterilização. No parecer Janot argumenta que a mulher será especialmente atingida por este ponto da lei. Os fundamentos seriam históricos e fundados nas discriminações contra a mulher existentes nos mais diversos setores sociais. Ponderou o PGR que, ao criminalizar esterilização voluntária realizada sem consentimento do cônjuge ou companheiro, está se impondo à mulher situação de restrição extrema. Com isso, ela ficaria sob a dupla ameaça da criminalização do aborto e da esterilização sem consentimento do cônjuge, na constância da sociedade conjugal. Para o Chefe do MP Federal, a situação consubstancia grave violência sociojurídica e até psicológica, inaceitável anacronismo jurídico, porquanto o Estado, ao criminalizar ambas as condutas – o aborto e a esterilização voluntária realizada sem consentimento de terceiro –, impõe reprodução não planejada aos casais e colide frontalmente com o direito constitucional a planejamento familiar. A lei do planejamento familiar, ainda conforme o entendimento do MP, não poderia impor limites ao direito individual da mulher e também do homem de dispor do próprio corpo: “Planejamento familiar é, sem dúvida, decisão autônoma das famílias, mas, em passo antecedente, se funda nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável. O planejamento familiar extrai-se da dignidade do ser humano e de direitos fundamentais essenciais, como o direito à intimidade e à saúde, em suas várias dimensões (física, mental, sexual etc.)”. Noutras palavras, o exercício da liberdade e da disponibilidade física do corpo do indivíduo não deve depender de consentimento de terceiros, sob pena de ser, sem justificativa legítima, severamente debilitado. O artigo 10 da lei estabelece que “somente é permitida a esterilização voluntária em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce”. E o parágrafo 5o determina que “na vigência de sociedade conjugar, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges”. A ação que levanta a inconstitucionalidade da lei – ADI 5.097 – é movida pela Associação Nacional de Defensores Públicos. Essa ADI foi ajuiada em março do ano passado e distribuída para relatoria do ministro Celso de Mello. Entretanto, apenas em fevereiro deste ano o ministro determinou a adoção do rito abreviado para o julgamento da medida cautelar. O Ministério Público, apesar de concordar com a tese defendida pelos advogados, argumentou que não há pertinência temática entre as finalidades da Anadep e a contestação da lei de planejamento familiar. Por isso, preliminarmente, Janot defendeu no parecer que a ação direta de inconstitucionalidade não seja conhecida. Todavia, parecer que esse argumento não será considerado pelo STF e o mérito da ADI será julgado. *** Esse texto foi publicado na coluna semanal do Jornal A Crítica, aos 02/10/2015.

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